domingo, 27 de março de 2011

Neusa Santos Souza: um Encontro; uma Homenagem

Neusa Santos Souza: um Encontro; uma Homenagem

por Marco Aurélio Luz*

Especial para Memorial Lélia Gonzalez Informa


Quem tiver ocasião de ler o importante livro de Neusa Santos Souza, “Tornar-se Negro”, verá que nos agradecimentos mereço o registro de meu nome juntamente com outras amizades da autora. Foi no mês de dezembro, em 2008, que ela se despediu deixando todos os seus amigos e admiradores surpresos e com enorme saudade.

Só agora, com a poeira de emoções mais assentadas, venho a público dar o meu testemunho de nosso surpreendente encontro; coisas do destino...

Lá pelos fins da década de 1970, fui convidado por meu amigo Chaim (1), hoje psicanalista, a substituí-lo numa palestra nas cercanias do Hospital Pinel no Rio de Janeiro, para falar sobre aspectos da obra de Michel Foucault, especialmente o livro “Doença Mental e Psicologia”, recém lançado no Brasil pela Tempo Brasileiro. Naquela época eu já era conhecido naquela ambiência, por minhas participações no tema de análise institucional com Georges Lapassade, inclusive pela co-autoria num livro sobre Umbanda e ainda um filme curta metragem com os, então, estudantes Roberto Moura e Murilo Salles. Para tanto, freqüentamos os terreiros no morro Dona Marta; na Rocinha e fazíamos comparações com os “centros” (2) do “asfalto”. Porém, naquela ocasião do encontro com Neusa, já freqüentava terreiros de culto aos egungun e aos orixás, na Bahia e no Rio de Janeiro. Já era conhecido também num movimento negro nascente onde aconteceu minha participação nas Semanas Afro Brasileiras no MAM RJ em 1974, com atividades em torno do acervo de arte sacra negra de Mestre Didi que encerrava o ciclo de um périplo por países da África, Europa e América do Sul e que contribuíram para ampliar a atuação do CEAA (3) e com a fundação do IPCN (4) no Rio de Janeiro, dentre outros desdobramentos.

Enfim quando encerrei aquela palestra, Neusa se aproximou e se apresentou, falando de seu trabalho sobre identidade negra e se eu poderia trocar umas idéias com ela: ela da área de Psiquiatria e eu de Comunicação.

Coloquei-me à disposição e perguntei onde ela morava. Foi então que começaram as coincidências: nós morávamos no mesmo prédio, com alguns andares de diferença, e não sabíamos. Então, combinamos de nos encontrar num dia, em casa.

No nosso encontro, inicialmente cheio de cordialidades, ela disse ser baiana de Cachoeira, cidade de pujantes tradições culturais afro-brasileiras. Aí eu me senti mais à vontade prá puxar a conversa prá esse lado, falando de identidade articulada e formada pelos valores e pelas linguagens das tradições: o rico legado civilizatório ancestral.

Conversa vai, conversa vem e ela revela ser neta do Sr. Arsênio dos Santos.

Fiquei arrepiado e ainda hoje fico.

Desde que cheguei ao culto de Baba Egun ouvia falar com muito respeito do grande sacerdote, seu “Paizinho Alaba” como era conhecido o herdeiro dos mais significativos legados do culto. Seu tio Marcos Alapini e seu tio avô Marcos o Velho, foram responsáveis, numa viagem ao reino yoruba de trazerem os mais significativos Baba Egun para realizarem a reposição dessa tradição no Brasil, num povoado de africanos chamado Tuntun, na ilha de Itaparica.

Além disso, Mestre Didi tinha sido iniciado “ojé”, sacerdote do culto, por Marcos Alapini e depois por Paizinho, o Sr. Arsênio Ferreira dos Santos (avô de Neusa).

Além disso, por ser neta de Paizinho Alaba, ela pertencia a uma distinta linhagem da tradição com personalidades que ocuparam e ocupam altos títulos sacerdotais.

Então, naquele encontro, Neusa me contou que, no entanto, a família dela manteve-se relativamente afastada dessa tradição. Ainda mais ela que foi estudar na universidade, e depois se mudou de cidade, indo para o Rio de Janeiro.

Enfim outras passagens há para contar, mas prefiro dizer que seu livro “Tornar-se Negro” marca uma reflexão das mais importantes sobre a trajetória da afirmação dos afro-descendentes no contexto nacional.

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Sobre “Tornar-se Negro”
2ª edição, Graal, RJ, 1990


O livro fala daqueles que trilham o “caminho do branco” e vivenciam o que Eldridge Cleaver chamou de “Alma no Exílio”.

Diz Neusa na introdução sobre seu livro:

“Ele é um olhar que se volta em direção à experiência de ser-se negro numa sociedade branca. De classe e ideologias dominantes brancas. De estética e comportamentos brancos. De exigências e expectativas brancas. Este olhar se detém, particularmente, sobre a experiência emocional do negro que, vivendo nessa sociedade, responde positivamente ao apelo da ascensão social, o que implica na decisiva conquista de valores, status e prerrogativas brancos.”

E acrescenta:

“O negro que se empenha na conquista da ascensão social paga o preço do massacre mais ou menos dramático de sua identidade. Afastado de seus valores originais, representados fundamentalmente por sua herança religiosa, o negro tomou o branco como modelo de identificação, como única possibilidade de “tornar-se gente”.

E ainda:

“Este livro trata desse contingente de negros, no que diz respeito ao custo emocional da sujeição, negação e massacre de sua identidade original, de sua identidade histórico-existencial.”

A originalidade de seu trabalho foi a de ter compartilhado a problemática das tentativas de articulação do materialismo histórico com a psicanálise aplicada à trama afetiva dos comportamentos sociais relativos à especificidade da trajetória de mobilidade social do “segmento negro” no Rio de Janeiro.

A articulação da Teoria das Ideologias (Althusser) com a Psicanálise (Lacan) possibilita uma leitura profunda dos depoimentos de experiências de vida de mulheres e homens negros que vivenciam a introjeção do preconceito gerado pelo imaginário ideológico racista que sobredetermina o interelacionamento social nesse contexto.

No que se refere então a esse contexto histórico, o ponto de partida é a ideologia do racismo institucional em que a razão de Estado através dos aparelhos ideológicos promove a rejeição da identidade original dos afrodescendentes baseada na cultura, instituições, valores e linguagem que constituem o processo civilizatório afro-brasileiro. Esse processo não navega em águas tranquilas, mas enfrenta e caminha em meio às políticas neo-colonialistas da herança européia.

No que se refere à Psicanálise acontece na interpretação dos depoimentos, muita vez, a constituição do Ego Ideal em detrimento do Ideal de Ego. O Eu imaginário e inalcançável do “padrão branco” toma lugar do Eu simbólico, das linguagens e valores da ancestralidade afro-brasileira.

“O Ideal de Ego não se confunde com o Ego Ideal.”

O Ego Ideal, instância regida pelo signo da onipotência e marcada pelo registro imaginário, caracteriza-se pela idealização maciça e pelo predomínio das representações fantasmáticas.

O Ideal do Ego é do domínio do simbólico. Simbólico quer dizer articulação e vínculo. Simbólico é o registro ao qual pertencem a Ordem Simbólica e a Lei que fundamenta esta ordem. O Ideal do Ego é portanto, a instância que estrutura o sujeito psíquico, vinculando-o a Lei e a Ordem. É o lugar do discurso.”

No caminhar pelas instituições do “mundo branco” o Super Ego atua introjetando o racismo, promovendo a rejeição da identidade original e plausível, ou seja, a identificação com seu contínuo civilizatório próprio e seus ancestrais ilustres no decorrer da história para substituí-la pelo Ego Ideal do fascínio da identidade e imagem do branco alimentado muitas vezes pelo núcleo familiar, pela indústria cultural, pelo sistema de ensino, pelas igrejas e demais aparelhos de Estado neocolonial republicano.

É a trama pulsante e pungente entre o Ideal de Ego, o Super Ego e o Ego Ideal que constitui o âmago do trabalho de Neusa, incrementado pelos comoventes relatos e depoimentos.

O valor especial do trabalho é que ele revela que as relações sociais estão envolvidas por emoção e afeto e que podem concorrer para corroer a possibilidade de afirmação de identidade plena.

“Esta ferida narcísica e os modos de lidar com ela constituem a psicopatologia do negro brasileiro em ascensão social e tem como dado nuclear uma relação de tensão contínua entre Super Ego atual e Ideal de Ego.”

E ainda:

“A possibilidade de construir uma identidade negra - tarefa eminentemente política – exige como condição imprescindível, a contestação do modelo advindo das figuras primeiras - pais ou substitutos - que lhe ensinam a ser uma caricatura do branco. Rompendo com este modelo, o negro organiza as condições que lhe permitirão ter um rosto próprio”.

Neusa formou-se em Medicina e se tornou psicanalista de orientação lacaniana e foi uma escritora de textos que a tornaram clássica, como o pequenino e denso artigo adiante, a propósito das comemorações em torno dos 120 anos de abolição da escravatura no Brasil.

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Ouvindo a própria voz de Neusa


Contra o Racismo: Com Muito Orgulho e Amor (5)
Neusa Santos Souza - em 13 de maio de 2008

Comemoramos hoje 120 anos de abolição da escravatura negra no Brasil. Abolição da escravidão quer dizer aqui fim de um sistema cruel e injusto que trata os negros como coisa, objeto de compra e venda, negócio lucrativo para servir à ambição sem fim dos poderosos. Abolição da escravatura quer dizer aqui fim da humilhação, do desrespeito, da injustiça. Abolição da escravatura quer dizer libertação.

Mas será que acabamos mesmo com a injustiça, com a humilhação e com o desrespeito com que o conjunto da sociedade brasileira ainda nos trata? Será que acabamos com a falta de amor-próprio que nos foi transmitido desde muito cedo nas nossas vidas? Será que já nos libertamos do sentimento de que somos menores, cidadãos de segunda categoria? Será que gostamos mesmo da nossa pele, do nosso cabelo, do nosso nariz, da nossa boca, do nosso corpo, do nosso jeito de ser? Será que nesses 120 de abolição conquistamos o direito de entrar e sair dos lugares como qualquer cidadão digno que somos? Ou estamos quase sempre preocupados com o olhar de desconfiança e reprovação que vem dos outros?

Cento e vinte anos de abolição quer dizer 120 de luta dos negros que, no Brasil, dia a dia, convivem com o preconceito e a discriminação racial. 120 de abolição quer dizer 120 de luta contra o racismo desse país que é nosso e que ajudamos a construir: não só com o trabalho, mas, sobretudo, com a cultura transmitida por nossos ancestrais e transformada e enriquecida por cada um de nós. 120 de abolição quer dizer 120 anos de luta contra todos os setores da sociedade e da vida cotidiana: nos espaços públicos e nos espaços privados; na Câmara, no Senado, nos sindicatos, no local de trabalho, nas escolas, nas universidades, no campo, na praça e em nossas casas. 120 de abolição quer dizer 120 de luta contra qualquer lugar em que houver um negro que ainda sofra preconceito e discriminação raciais. Nesses 120 anos, tivemos muitas vitórias, conquistamos muitas coisas, especialmente um amor por nós mesmos, uma alegria, um orgulho de sermos o que somos: brasileiros negros – negros de muitos tons de cor de pele, efeito da mistura, que é uma bela marca da sociedade brasileira.

Nesses 120 anos tivemos muitas conquistas e temos muito mais a conquistar. Nesses 120 anos vencemos muitas batalhas e temos muito mais a batalhar.

Nesses 120 anos comemoramos muitas vitórias e temos muito mais a comemorar.

A escravidão acabou, mas a nossa luta continua!


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* Marco Aurélio Luz é Filósofo; Doutor em Comunicação; Pós-Doutor em Ciências Sociais Paris V-Sorbonne – CEAQ -Centre d’Etudes sur L’actuel du Quotidien. Autor de diversos artigos e livros em destaque: Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira; Do tronco ao Opa Exin: memória da tradição afro-brasileira; Cultura negra em tempos pós-modernos. Escultor de imagens da temática arte sacra afro-brasileira.
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Notas:

(1) Chaim Samuel Katz é psicanalista; Membro da “Formação Freudiana”; Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
(2) Centros de Umbanda
(3) Centro de Estudos Afro-Asiáticos, da Universidade Candido Mendes, Rio de Janeiro.
(4) Instituto de Pesquisas das Culturas Negras
(5) Especial para o Correio da Baixada, em 13 de maio de 2008. Disponível em Correio do Brasil
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Para mais sobre Neusa Santos Souza, ver página neste Memorial Lélia Gonzalez Informa



Marco Aurélio Luz com Lélia Gonzalez, Rio de Janeiro, 1988

Para mais Marco Aurélio Luz



sexta-feira, 25 de março de 2011

EBC abre seus canais para todas as religiões

Empresa Brasileira de Comunicação abre seus canais para todas as religiões


Conselho curador da EBC - Empresa Brasileira de Comunicação - vota pela pluraridade em seus programas religiosos.

Por João Jorge Santos Rodrigues*


Hoje foi um dia importante na minha vida, nesta vida. Vim à Brasília depois de ter vivido a emoção de ter visto e escutado o Presidente Barack Obama falar no Rio de Janeiro - o primeiro negro presidente da maior potência do mundo - e depois de receber a notícia de que os heróis da Revolta dos Búzios: João de Deus, Lucas Dantas, Manuel Faustino, Luis das Virgens, foram considerados Heróis da Pátria, 212 anos após as suas mortes.

João Jorge com Abdias Nascimento, na visita de Obama
Rio de Janeiro, março 2011


Na reunião do conselho curador da EBC - Empresa Brasileira de Comunicação - foi votado, após um intenso debate de mais de seis meses, a pluralidade dos programas religiosos; ou seja, a suspensão dos atuais programas cristãos e a criação de programas com as diferentes convicções religiosas existentes no Brasil.

Fui o ultimo dos conselheiros a defender esta proposta e obtive o apoio de uma ampla maioria para que o Candomblé, a Umbanda, o Espiritismo, o Islamismo, o Judaísmo, e as Religiões Ameríndias possam também falar de sua fé, das suas crenças e da paz destas religiões.

Veio na minha imagem, minha mãe, Dona Alice dos Santos Silva, uma mulher branca da Bahia, no seu terreiro de candomblé, dançando para sua Iansã e o seu caboclo Boiadeiro; veio na minha cabeça a imagem dos terreiros batendo, na Boca do Rio, e me chamando para ser um dos seus filhos; veio na minha imagem, os negros que conheci e que eram do Candomblé: Deco, Raul, que frequentavam minha casa, na rua do Bispo, na Praça da Sé; veio na minha mente o que vi no Benin, em 1986, nas cidades sagradas de Uidá, Pobé.

Veio na minha mente a autorização da Delegacia de Jogos e Costumes para que o terreiro de minha mãe pudesse praticar seu culto. Veio na minha mente a luta do Olodum** junto com outros setores para tirar o posto príncipe da frente do terreiro da Casa Branca.

Passou um filme na hora; uma enorme dor no peito e o medo de não dar conta do recado. Mas o nosso amor ao Parque de São Bartolomeu, à terra de Oxumaré me deram forças e energia; veio na minha mente a homenagem a Yemanjá, a Iansã, a Xangô, a Oxossi nas músicas Olodum e o Ayndeô de Mario Gusmão. E fui lá como um advogado do povo, um mestre em Direito publico, o único negro do conselho curador da EBC, fiz a minha melhor defesa, contei a história da nossa resistência aqui, desde 1549, e como fomos perseguidos, combatidos, e ainda assim, generosos como manda o Candomblé e a Umbanda, integramos os filhos dos opressores na nossa fé. Ganhamos! Sai e fui chorar no canto alegre por ter aprendido tanto nas ruas da Roma negra - a cidade de Salvador - e nas andanças pelo mundo.

A luta pela liberdade religiosa exige respeito e pluralidade, democracia e energia, mais que luz.

Estou muito feliz, alegre em poder legar aos meus filhos e neto este legado. Eles vão poder ver na TV Pública a religião dos seus avós e antepassados: o Candomblé - a primeira forma de religião do Planeta nascida nas civilizações africanas inspiradas na energia... e na luz.


*João Jorge dos Santos Rodrigues é mestre em direito e fundador do Bloco Olodum

** Em 1984 surge o Grupo Cultural Olodum voltado para atuar no movimento negro brasileiro. Já no final da década, transforma-se em uma das instituições mais respeitadas na luta contra o racismo no país, liderando campanhas em favor dos afro-descentes e pela defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais da população.

João Jorge é uma das principais lideranças do Olodum, que na última década do século XX era considerado ícone das conquistas do movimento negro. O diferencial do grupo foi promover uma vigorosa ação sociocultural através de elementos da cultura afro, harmonizando cultura e cidadania nos bairros empobrecidos e negros da capital baiana.

Juventude e educação são eixos importantes do trabalho que promove a auto-estima e o orgulho da comunidade negra. A Escola Criativa Olodum para crianças e adolescentes revela valores culturais, artísticos e históricos de seu contexto social, e garante liberdade de criação e acesso às fontes de cultura. As ações capacitam na área de informática e formam lideranças. A prevenção mantém adolescentes longe das drogas, da criminalidade e das doenças sexualmente transmissíveis, propiciando o fortalecimento dos vínculos familiares, escolares e comunitários.

O resultado institucional mais expressivo foi a campanha que inseriu na Constituição do Estado da Bahia o capítulo XXIII, Artigo 286 a 290, voltado para a defesa dos direitos do Negro. A disseminação do modelo foi replicada por outros grupos culturais como em outras cidades do Brasil (Afro-Reggae - Rio de Janeiro; Projeto Arte no Dique – Santos; Grupo Unidos do Quilombo – Aracaju; Projeto Sons de Cidadania - Brasília).


Recebido de mamapress
23 de março de 2011

quarta-feira, 23 de março de 2011

Campanha de Conscientização Igualdade Racial

Governo lança campanha de conscientização para a igualdade racial

21/03/2011 20:39 Daniella Jinkings Repórter da Agência Brasil

Brasília – A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, lançou hoje (21) uma campanha de conscientização para a igualdade racial. O evento fez parte das comemorações do aniversário de oito anos da Seppir e do Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU).

A campanha Igualdade Racial é para valer também faz parte das ações do Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes. De acordo com a ministra, será uma convocação para a sociedade brasileira repensar a questão do respeito às diferenças. “O objetivo é promover a igualdade. Isso não é uma ação exclusiva do movimento negro e não é uma responsabilidade apenas do Estado brasileiro. É uma preocupação coletiva”.


Segundo Luiza Bairros, também é importante reduzir os altos índices de homicídio contra a população negra, principalmente os jovens. “Todo o nosso esforço será tendo em vista a redução desses índices. Essas mortes violentas que acontecem na população negra, em especial na juventude, não são questões de âmbito exclusivo da segurança pública, mas de cunho social”.

Além do lançamento da campanha, houve a entrega do Selo Educação para a Igualdade Racial a escolas, secretarias municipais e estaduais de educação. O objetivo é contemplar iniciativas exitosas na implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.

A Seppir foi criada em 2003 como forma de reconhecimento das lutas históricas do movimento negro brasileiro. A missão da secretaria é estabelecer iniciativas contra as desigualdades raciais no país. A data é emblemática, pois em todo o mundo, celebra-se o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial.

O dia 21 de março foi escolhido pela ONU para as comemorações do Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial por causa do Massacre de Sharpeville, em Joanesburgo, na África do Sul, em 1960. Autoridades abriram fogo contra o grupo que se manifestava pacificamente contra a Lei do Passe, que transformava os negros em estrangeiros dentro de seu próprio país. Todo negro tinha que obrigatoriamente portar um passe. O Massacre de Shaperville resultou na morte de 69 pessoas e feriu 186.

Edição: Rivadavia Severo

Extraído de Agência Brasil

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Um convite à ação

Luiza Bairros

Texto publicado na coluna Tendências/Debates do jornal Folha de S. Paulo, edição de 21/03/2011

O dia 21 de março evoca o massacre ocorrido em Sharpeville, que vitimou dezenas de manifestantes que protestavam contra a lei do passe, limitadora da livre circulação da população negra na África do Sul, no ano de 1960.

O episódio mobilizou a opinião pública mundial e, em 1966, em Brasília, os participantes de seminário promovido pela Organização das Nações Unidas escolheram o dia para ampliar a solidariedade internacional contra o apartheid.

Desde então, a data foi incorporada ao calendário do movimento negro do nosso país, que instava o Brasil a romper relações diplomáticas com o governo sul-africano.

Estes esforços de solidariedade culminaram no repúdio ao racismo nas relações internacionais como um dos princípios fundamentais da nossa Constituição Federal de 1988 (Artigo 4º, inciso VII).

Portanto, a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir/PR), em 21 de março de 2003, inspirou-se em embates históricos que sempre estimularam a luta por direitos de cidadania dos negros brasileiros.

Neste ano de 2011, em que se comemora oito anos de criação da Seppir e dez da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo (Durban), outra resolução da assembleia da ONU pode induzir grandes avanços na superação do racismo e das desigualdades raciais.

Trata-se do Ano Internacional dos Afrodescendentes, proclamado com o objetivo de fazer de 2011 um março no desenvolvimento de ações efetivas, destinadas a assegurar que as populações de ascendência africana "possam gozar plenamente de direitos econômicos, culturais, sociais, civis e políticos".

Tal decisão, apoiada pelo governo brasileiro deve, de fato, ser acolhida por amplos setores da sociedade, assim potencializando as prioridades definidas pela presidente Dilma Rousseff: ao lado da meta de erradicação da pobreza extrema, que penaliza mais a população negra, a melhoria da qualidade da educação, da saúde e da segurança pública, fundamentais na garantia dos direitos de cidadania.

Neste ano especial, a Seppir lança uma campanha intitulada "Igualdade racial é pra valer", convocando empresas públicas e privadas, organizações não-governamentais, associações patronais e de trabalhadores, entre outros, a assumir a responsabilidade de fazer da inclusão uma prática permanente.


Por mínima que seja a iniciativa que cada um consiga materializar, em diferentes esferas da vida social, ao final do ano vamos celebrar a verdade de que todos podem contribuir para a superação dos indicadores sociais e econômicos em que se expressa a exclusão de mulheres e homens negros.

Para que todos, sem restrições, sejam motivados a participar ativamente desta campanha, é crucial acreditar que a promoção da igualdade racial é condição, e não impedimento, para que o Brasil aprofunde a dinâmica de desenvolvimento dos últimos anos.

Aderir ao Ano Internacional dos Afrodescendentes com ações concretas implica vencer a inércia, assumir coletivamente responsabilidades, encontrando saídas para as desvantagens sociais resultantes de processos históricos, contribuindo para a construção de um país sem pobreza e desigualdades.

A Seppir, segundo sua missão institucional e como órgão essencial da Presidência da República, coloca-se à disposição dos que se propõem a aderir a esta campanha, dando suporte técnico, apontando fontes de recursos, formulando ideias de fácil execução, que poderão fazer valer a igualdade racial para além de um direito formal.

*Luiza Bairros é ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Extraído de Jus Brasil

PDF da FSP por Agência Patrícia Galvão


Para mais:
SEPPIR lança campanha do Ano Internacional dos Afrodescendentes e celebra oito anos de criação do órgão


Frente Parlamentar pela Igualdade Racial

Câmara sedia seminário e relança a Frente Parlamentar pela Igualdade Racial

A Câmara dos Deputados promove (em 22 de março 2011) o seminário sobre o direito dos quilombolas dentro do ordenamento jurídico brasileiro e debaterá as implicações do decreto 4.887/03, que trata da demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de comunidades dos quilombos. A iniciativa do evento é do Núcleo de Parlamentares Negros do PT. Após o seminário será relançada a Frente Parlamentar pela Igualdade Racial. Os eventos acontecerão a partir das 9 h, no plenário 2, do anexo II da Câmara.

Para o deputado Domingos Dutra (PT-MA), uma das metas do seminário é despertar a sociedade brasileira para a ameaça, representada por setores conservadores do país, que rejeitam a demarcação e a titulação das terras quilombolas. “A comunidade negra do Brasil precisa resistir a ação de forças conservadoras do país, representada pelo Democratas e setores ruralistas, que desejam negar o direito a essas comunidades, e para isso até ajuizaram uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a anulação do decreto presidencial editado pelo ex-presidente Lula que garante esse direito”, alertou.


Segundo Dutra, o Brasil precisa ainda aplicar a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que entre outros pontos, reconhece o direito de propriedade das terras tradicionalmente ocupada pelas comunidades remanescentes de quilombos. Foram convidados para o encontro o Secretário Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho; a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, além do jurista e professor de direto da Universidade Estadual do Amazonas, Alfredo Wagner.

Além de Domingos Dutra, compõem o Núcleo de Parlamentares Negros do PT os seguintes deputados: Benedita da Silva (RJ), Beto Faro (PA), Edson Santos (RJ), Eliane Rolim (RJ), Gilmar Machado (MG), Luiz Alberto (BA), Janete Rocha Pietá (SP), Vicentinho (SP), Dalva Figueiredo (AP), Sibá Machado (AC) e Valmir Assunção (BA).

Frente Parlamentar - O deputado Luiz Alberto, coordenador da Frente Parlamentar pela Igualdade Racial, explicou que, além de lutar pela demarcação das terras dos quilombolas, o colegiado vai trabalhar para ampliar o direito da comunidade negra do país.

Entre as prioridades da Frente estão a (1) defesa dos direitos dos quilombolas, (2) a inclusão no currículo escolar da disciplina que trata da contribuição do negro para o desenvolvimento do país; (3) o combate a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo Democratas no STF que questiona a cotas raciais, além da (4) aprovação do projeto que institui o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável para as comunidades negras tradicionais”, defendeu Luiz Alberto.

O parlamentar vai propor que a Frente faça um debate sobre a inclusão de mecanismo que amplie a participação do negro na política do país. Entre as propostas de Luiz Alberto, está a implantação de cotas para candidatos negros nos partidos e também na composição dos parlamentos.


Fonte: Informes PT nº 4682 - seg 21/03/2011 08:25

quarta-feira, 9 de março de 2011

Rio ganha dois presentes da história

O Rio ganhou dois presentes da história

Elio Gaspari
quarta-feira, 9 de março de 2011

Um grande livro e o cais de desembarque dos escravos ajudarão a cidade a conhecer seu passado

(1)

HÁ MUITO TEMPO o Rio de Janeiro não recebia notícias tão boas de seu passado. É provável que uma equipe de arqueólogos do Museu Nacional tenha encontrado nas escavações da zona portuária as lajes de pedra do cais do Valongo. Entre 1758 e 1851, por aquelas pedras passaram pelo menos 600 mil escravos trazidos d'África. Metade deles tinham entre 10 e 19 anos.

Devolvido à superfície, o cais do Valongo trará ao século 21 o maior porto de chegada de escravos do mundo. Se ele foi soterrado e esquecido, isso se deveu à astuta amnésia que expulsa o negro da história do Brasil. A própria construção do cais teve o propósito de tirar do coração da cidade o mercado de escravos.

A região da Gâmboa tornou-se um mercado de gente, mas as melhores descrições do que lá acontecia saíram todas da pena de viajantes estrangeiros. Os negros ficavam expostos no térreo de sobrados da rua do Valongo (atual Camerino). Em 1817, contaram-se 50 salas onde ficavam 2.000 negros (peças, no idioma da época).

Os milhares de africanos que morreram por conta da viagem ou de padecimentos posteriores, foram jogados numa área que se denominou Cemitério dos Pretos Novos.

Ele foi achado em 1996, durante a reforma de uma casa e, desde então, está sob os cuidados de arqueólogos e historiadores. O cemitério foi soterrado por um lixão, verdadeiro monumento à cultura da amnésia. Devem-se à professora americana Mary Karasch 32 páginas magistrais sobre o Valongo. Estão no seu livro "A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro - 1808-1850".

Com o possível achado do cais, o prefeito Eduardo Paes anunciou que transformará a área num museu a céu aberto. (Cesar Maia prometeu algo parecido com o cemitério, mas deu em pouca coisa.) Felizmente, as obras do porto respeitarão as restrições recomendadas pelos arqueólogos, até porque, se o Cais do Valongo não estiver exatamente onde se acredita, estará por perto.

(2)

O segundo presente são os dois volumes de "Geografia Histórica do Rio de Janeiro - 1502-1700", do professor Mauricio de Almeida Abreu. É uma daquelas obras que só aparecem de 20 em 20 anos. (O livro de Karasch, que está na mesma categoria, é de 1987.)

Ele leu tudo e, em diversos pontos controversos, desempatou controvérsias indo às fontes primárias. Erudito, bem escrito, bem exposto, é um prazer para o leitor. Além disso, os dois pesados volumes da obra estão criteriosamente ilustrados. Nele aprende-se, por exemplo, que o primeiro plano urbano da cidade, do tempo de Mem de Sá, foi traçado por um degredado, Nuno Garcia. (Fuçando-se, sabe-se que era um homicida.)

A edição de 3.000 exemplares, copatrocinada pela Prefeitura do Rio, é um luxo, mas o preço ficou salgado (R$ 198). Sua aparência de livro de mesa pode jogá-lo numa armadilha: quem o tem raramente o lê e quem quer lê-lo não tem como comprá-lo. A prefeitura poderia socorrer a patuleia, providenciando uma edição mais barata ou, até mesmo, uma versão eletrônica.

Quem quiser saber mais (e muito) sobre o Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos, pode buscar na internet, em PDF:

Texto de Elio Gaspari extraído de Franciscoripo
Recebido de Jorge Luís Rodrigues dos Santos [j.rodriguesantos@gmail.com]



terça-feira, 8 de março de 2011

Cepal: Líderes da AL apoiam cotas para mulheres na política

Cepal: Líderes da América Latina apoiam cotas para promover a participação de mulheres na política

Kelly Oliveira - Repórter da Agência Brasil
07/03/2011

Brasília - A maioria dos líderes de opinião da América Latina é favorável a ações afirmativas para estimular a participação de mulheres na política, segundo pesquisa elaborada pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).

De acordo com a terceira edição da pesquisa, feita entre novembro de 2010 e janeiro de 2011, das pessoas consultadas, 64% são favoráveis às leis de cotas. Dos entrevistados, 67% apoiam sanções a partidos que não cumpram as cotas previstas por lei.

Para 78% dos consultados, a política em busca de igualdade favorece a mudança no estilo do exercício da autoridade e da liderança.

Segundo a Cepal, foram consultados acadêmicos, políticos, empresários e líderes sociais e religiosos.
De acordo com a pesquisa, o número de líderes que consideram que a participação masculina nas tarefas domésticas deve ser mais efetiva subiu sucessivamente nas três sondagem: 76% na primeira pesquisa, 81% na segunda e 84% na terceira.

Para os entrevistados, a influência dos movimentos sociais, o contexto eleitoral, a exemplo da eleição de presidentas, e a agenda das instituições internacionais são reforços importantes às ações afirmativas.

Edição: Lílian Beraldo

Extraído de Agência Brasil - EBC


sábado, 5 de março de 2011

Dia Internacional da Mulher 100 anos!













Aprovação de projeto sobre revista íntima

Vaccarezza agiliza aprovação de projeto sobre revista íntima

02/03/2011

A revista íntima das mulheres em empresas e órgãos públicos fica proibida. E as revistas íntimas de mulheres em presídios só poderão ser realizadas por funcionárias, preservando assim a privacidade da mulher. A multa de R$ 20 mil pelo descumprimento da lei será revertida aos órgãos de proteção dos direitos da mulher. O Projeto de Lei 583/2007 que dispõe sobre o tema foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados, na quarta-feira, dia 3 de março.

O líder do Governo, Cândido Vaccarezza, articulou, em Plenário, para que a proposta fosse aprovada. A bancada feminina na Casa solicitou aos líderes que se esforcem para que seja aprovada uma pauta positiva de temas sobre a mulher, neste mês dedicado a elas. Vaccarezza conseguiu que o Plenário aperfeiçoasse a matéria para obter a aprovação da proposta. O texto segue para avaliação do Senado.

Íntegra da proposta:

Subemenda Substitutiva Global de Plenário ao PL 583-A, de 2007

Relatora Jô Moraes

Dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata de revista íntima em ambientes prisionais.

O Congresso Nacional decreta:

Art.1º As empresas privadas, os órgãos e entidades da Administração Pública, Direta e Indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e clientes do sexo feminino.

Art. 2º Pelo não cumprimento do art. 1º, ficam os infratores sujeitos a:

I – multa de vinte mil reais ao empregador, revertidos aos órgãos de proteção dos direitos da mulher;

II – multa em dobro do valor estipulado no inciso I, em caso de reincidência, independente da indenização por danos morais e materiais e sanções de ordem penal.

Art. 3º Nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos.

Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala da Sessões, em 02 de agosto de 2011-03-02

Dep. Jô Moraes
Relatora em Plenário pela Comissão de Trabalho e Administração Pública


Extraído de Deputado Federal Cândido Vaccarezza

Recebido de Vaccarezza


quinta-feira, 3 de março de 2011

Monteiro Lobato era racista

Monteiro Lobato era racista

Por Fernando Molica
em 02 de março de 2011

"Estação carioca", jornal O Dia, 02/3


É triste dizer, mas Monteiro Lobato, um dos maiores escritores brasileiros, responsável por alguns dos melhores momentos da minha infância, era um racista militante. Como o 'Informe do Dia' registrou em 21 de fevereiro, as evidências do racismo explícito de Lobato foram levantadas pela escritora Ana Maria Gonçalves, autora do premiado romance 'Um Defeito de Cor' (Record).

Ao saber que o cartunista e escritor Ziraldo desenhara Lobato abraçado a uma mulata de biquíni para a camiseta do bloco Que Merda é Essa?, Ana Maria foi aos arquivos, consultou cartas de Lobato e redigiu uma pedrada em forma de texto. Sua leitura não deixa dúvidas sobre o pensamento racista do criador do 'Sítio do Picapau Amarelo'. Ele, os documentos comprovam, não se sentiria confortável ao abraçar a mulata da camiseta.

Em carta enviada ao amigo Godofredo Rangel, Lobato chegou a dizer que a miscigenação foi uma vingança dos escravos: "Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se do português de maneira mais terrível amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde." Mulatos e mestiços como quase todos nós fomos chamados de "coisa residual que vem dos subúrbios". "E no físico, que feiúra!" completou o escritor, um entusiasta da eugenia, teoria que pregava o aperfeiçoamento da espécie humana pela seleção genética. Para ele, a humanidade precisava de uma poda. "É como a vinha", escreveu a outro amigo, o médico Renato Kehl.

Em outra carta, enviada de Nova York em 1928 para Arthur Neiva, o criador de Narizinho deu outro inacreditável palpite, algo pra lá de infeliz. Lamentou a ausência, no Brasil, de uma Ku Klux Klan, aquela organização de mascarados que comandou linchamentos de negros nos Estados Unidos: "Um dia se fará justiça ao Kux Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca mulatinho fazendo o jogo do galego", escreveu. Para ele, a mestiçagem do negro destruía "a capacidade construtiva".

Não se deve banir os livros de Lobato. Mas não dá para negar que as referências depreciativas à negra Tia Nastácia em 'Caçadas de Pedrinho' foram escritas por um racista. Vale ter um pouco de cuidado para não ajudarmos a disseminar entre as crianças preconceitos que ferem a todos nós.

Extraído de Fernando Molica

Recebido de Luiz Carlos Gá, a quem agradecemos.

Medalha Zumbi Santa Bárbara do Oeste - SP

quarta-feira, 2 de março de 2011

Monteiro Lobato vai para o trono?


RACISMO "AFETUOSO"
Monteiro Lobato vai para o trono?

Por Muniz Sodré
em 1/3/2011




Se até hoje escritores, intelectuais, jornalistas, homens ditos públicos
não conseguem assimilar a gravidade da questão racial e perdem o siso
quando veem os pés de barro de seu escritor-ídolo de infância,
como esperar que as crianças o façam?



Um incidente pré-carnavalesco trouxe de novo à cena a figura de Monteiro Lobato, que frequentara com alguma assiduidade as páginas da imprensa no ano passado, quando o Conselho Nacional de Educação (CNE) considerou racista o livro Caçadas de Pedrinho. Agora é a camiseta desenhada por Ziraldo para o bloco carioca "Que merda é essa?", em que Lobato aparece sambando com uma mulata. Houve manifestação popular e protestos, dos quais o mais veemente e consistente foi o da escritora Ana Maria Gonçalves, autora de Um Defeito de Cor, romance notável no panorama da literatura brasileira contemporânea.

Nenhum jornal reproduziu o teor da carta – ponderada e judiciosa – da escritora ao cartunista, admitindo que poderia tê-la estendido a outros destinatários, nomes importantes no chamado corredor literário. Há, porém, a internet, e graças a ela se fica a par dos argumentos da romancista, todos inequívocos quanto ao racismo do consagrado autor de Caçadas de Pedrinho. Pela imprensa escrita, ficou-se sabendo apenas que, na opinião da autoridade tal, "a manifestação era uma besteira", ou então que carnaval não é ocasião para "assuntos de seriedade".

Para meter aqui a colher na discussão, é preciso deixar claro de início e de uma vez por todas, o seguinte: Monteiro Lobato era um racista confesso, seu ódio aos negros não é nada que se deduza por interpretação de seu texto ficcional. Mas quase todo o mundo leitor sabe disso. É lamentável fingir inocência ou alegar que o racismo brasileiro é diferente, é "afetuoso". Aí estão publicadas as cartas ao amigo Godofredo Rangel, em que Lobato se perguntava como seria possível "ser gente no concerto das nações" com aqueles "negros africanos criando problemas terríveis". Que problemas? Simplesmente serem negros, serem o que ele chamava de "pretalhada inextinguível". O escritor sonhou ficcionalmente com a esterilização dos negros (vide O Presidente Negro) e sugeriu, muito antes do apartheid sul-africano, o confinamento dos negros paulistas em campos cercados de arame farpado.


Não cabe argumento

No entanto, se me perguntassem qual a minha relação pessoal com a literatura infanto-juvenil de Lobato, eu teria de ser honesto e confessar que, ainda menino, no interior do Brasil, era fascinado por suas narrativas. Francamente, eu nunca havia percebido os laivos racistas, que não são tão numerosos assim em sua obra ficcional, mas estão lá para quem se dispuser a bem enxergar. Lobato dizia que a escrita é um "processo indireto de fazer eugenia" e de fato ele sabia como fazer. Isso significa que se deva banir a literatura de Lobato? Como se pode abominar o que também se ama ou se amou?

Não são questões fáceis. O que se pode inicialmente fazer é fornecer algum material para uma reflexão, que talvez possa mesmo contribuir junto aos editores de nossa mídia para a adoção de posições mais qualificadas no tocante à difícil questão racial brasileira.

O primeiro ponto a se levar em conta, se desejarmos uma avaliação objetiva da posição de um "outro", estranha à nossa, é que se rejeite o binarismo simplista das oposições radicais (direita/esquerda, culpa/inocência etc.) porque debilita as formas mais abrangentes de compreensão do mundo. Claro que existe o racismo, assim como a direita política, autoritária e odiosa no passado, às vezes coberta com pele de cordeiro e sempre formuladora de políticas a serviço do capital financeiro e dos complexos industriais. Mas a radicalização da oposição a seu contrário impede não apenas a compreensão de dimensões sutis e ambivalentes de determinados problemas, como também a percepção de aspectos obtusos e autoritários na esquerda supostamente progressista.

A atuação soviética no leste da Polônia, durante a Segunda Grande Guerra, tinha em comum com alemã no oeste a palavra "atrocidade". Sobre as vítimas dos genocídios, não cabe o argumento das especificidades políticas.


Diferença que não é metafísica

Depois, que se ponham entre parênteses aspectos historicamente rebarbativos das circunstâncias ideológicas em que se gerou um determinado saber tido como relevante para a consciência crítica. Por exemplo, a inegável adesão de Heidegger a um momento do nacional-socialismo alemão, uma das primeiras ditaduras tecnológicas do Ocidente, não oblitera a importância da crítica heideggeriana à técnica. Outro exemplo: o passado nazista de Carl Schmitt não impede que sua obra hoje possa ser academicamente avaliada como uma das mais importantes da ciência política contemporânea.

É um engano, portanto, pôr a razão de um lado e a desrazão de outro, em termos absolutos. Quando falamos de "razão", estamos nos referindo à possibilidade de conhecer a priori, erigida como faculdade superior do homem. Mas não raro as posições divergentes são aspectos diferenciados da mesma razão, tomada como contraditória à primeira vista. É que existe uma espécie de "impacto emocional dos conceitos", referido por Florestan Fernandes ao criticar as formulações sociológicas que se detêm em determinações estruturais de significado geral, fora e acima dos contextos histórico-sociais, e assim "criam uma falsa consciência crítica da situação existente, paradoxalmente simétrica às mistificações antirradicais, elaboradas por meio das ideologias conservadoras".

Há evidentemente limites para a convergência ou para a reconciliação dos contrários (esses limites fornecem historicamente os materiais da oposição esquerda/direita). Em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que a direita sempre esteve do lado do capital, enquanto a esquerda almejou a alternativa socialista. Mas a diferença não é metafísica, e sim histórica, e só pode ser deduzida de situações socialmente concretas.


Racista confesso

Em outras palavras, se não reconhecemos no trabalho dos autores historicamente classificados como de direita (reacionário, comprometido com a manutenção do status quo, a despeito das iniquidades) a mesma inteligência que gerou o trabalho de pensamento de esquerda (revolucionário ou reformista, empenhado na transformação das estruturas sociais e das formas vigentes de dominação), deixamos de entender por quê determinadas formas de dimensionamento da realidade foram tão aceitáveis para vastas parcelas da humanidade, ainda que contrárias à veracidade por nós atribuída à órbita intelectual e afetiva em que nos movimentamos, portanto, às vontades que comandam a nossa inteligência.

É provável que esse modo de pensar não resolva de imediato a questão – lobatiana – em pauta. Mas aponta para a densidade e a diferenciação dos níveis de leitura. Num certo nível, é possível a uma consciência generosa ou solidária para com as diferenças aproveitar algo do brilho de um pensamento conservador, nada solidário para com o outro. Em outro nível, isso é impossível. Por exemplo, a uma criança, portanto no estágio plástico e movediço de sua socialização, torna-se muito difícil fazer a crítica do criticável. O Lobato de que estamos falando é aquele que escrevia para um público infanto-juvenil, esse mesmo sobre quem os preconceitos e os estereótipos atuam com toda a força emocional que costumam ter. É, portanto, um público a ser protegido.

Se até hoje escritores, intelectuais, jornalistas, homens ditos públicos não conseguem assimilar a gravidade da questão racial e perdem o siso quando veem os pés de barro de seu escritor-ídolo de infância, como esperar que as crianças o façam? Lobato era, sim, um bom escritor, um editor importante, um visionário (sempre acreditou na existência de petróleo no solo nacional), mas também um racista confesso. Este é o real, este é o fato, que é preciso aceitar como ponto de partida para depois se decidir, como diria o Chacrinha, se ele vai ou não para o trono, se será ou não buzinado.

Extaído de Observatório da Imprensa

Os grifos são nossos.